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quinta-feira, 28 de julho de 2016

Enologuês

por Gil Vesolli, sommelière e gastróloga

"O vetusto vernáculo manejado no âmbito dos excelsos pretórios, inaugurado a partir da peça ab ovo, contaminando as súplicas do petitório, não repercute na cognoscência dos frequentadores do átrio forense"*.

Essa linguagem hostil veio do meio jurídico - berçário da linguagem rebuscada, confusa e altamente ineficiente -  mas poderia facilmente ter saído da boca de algum enófilo encantado com os aromas e sabores de algum Grand Cru.

A linguagem enológica e jurídica são muito semelhantes. Na pior e mais frequente das hipóteses elas podem se transformar em um novo tipo de português: juridiquês e enologuês, neologismos que falam por si mesmos sobre a pouca simpatia que causam.

A que serve tamanho empolamento linguístico? Porque abusar de arcaísmos que fariam Machado de Assis revirar-se de alegria em seu túmulo?

Pode-se supor que tenha a ver com a hierarquização em um passado nem tão distante. Uma pessoa no topo da cadeia social não apenas deveria vestir-se, alimentar-se, morar e viver de forma diferente dos demais, como também precisaria falar de forma mais sofisticada.

Coloque aí algum pedantismo conservador e pronto: temos de um lado pessoas que perderam a noção de que a comunicação funciona como um ping pong e de outro, ouvintes com essa cara aí: 




Obviamente os termos técnicos usados por advogados, juízes ou enólogos precisam ser respeitados, por mais herméticos que pareçam. Mas esses termos fazem parte do vocabulário das pessoas que precisam sabê-los: os técnicos
Ninguém precisa dizer que sente em uma taça o "aroma inconfundível de etanoato de isobutila" ao invés de simplesmente falar que "cheira a morango", a menos que essa pessoa esteja em um laboratório testando novas leveduras.

Na hora de falar de vinho, o que queremos? Dividir as experiências sensoriais e o prazer da companhia ou exibir todo o vernáculo como quem mostra diamantes pretendendo ser invejado?

Usar um vocabulário do século XVIII na era da internet e da democratização do vinho é no mínimo pedante e não sintoma de erudição.

Erudição mesmo a gente mostra respeitando os confrades que ainda não conseguem distinguir todas as camadas de aromas ou que não beberam todas as safras de um grande rótulo. Ou ao dividir com eles de forma clara e inteligível nossas próprias opiniões sobre o vinho.

Pensemos nisso na próxima vez que sentirmos aquela cutucada na língua que nada tem a ver com o gás dos espumantes.


*"A velha linguagem usada nos meios jurídicos desde o começo contaminando o entendimento dos pedidos não colabora para o entendimento dos frequentadores dos tribunais". Ou apenas: "Pare de falar firulas!".



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